Estrelado
por Joaquim Phoenix e com direção de Todd Phillips, "Coringa"
(Joker, 2019) é o que eu chamarei "filme de origem com ares
de adaptação contextualizada ao realismo".
Origem, porque é, agora, o filme live-action de origem do
Coringa e por conseguir contextualizar os porquês que levaram um ser
humano a se tornar um dos vilões mais psicopatas e violentos da
ficção atual, originado das Histórias em Quadrinhos (HQ) da DC
Comics. Adaptação, por ser uma colcha de retalhos de versões do
personagem, somados à liberdade de criação que foi apresentada,
referenciando até mesmo obras anteriores (tem easter eggs) e
acontecimentos reais.
O
filme tem o clima pesado desde o início, com uma cena onde o
personagem principal, Arthur Fleck (Joaquim Phoenix), é repreendido
por uma mãe no ônibus, por brincar com seu filho. Após tentar se
explicar e ser repreendido novamente, Fleck cai numa crise de riso,
causando desconforto na situação. Tentando não gerar confusão,
ele dá um cartão médico para a mãe da criança, no qual está
escrito a explicação de seu "riso descontrolado" e um
pedido de desculpas. Esse distúrbio do riso realmente existe e as
pessoas acometidas por isso, acabam rindo ou gargalhando
involuntariamente, quando na verdade não estão achando nada
engraçado, mas sim, estão nervosas, tensas ou com outros
sentimentos contrários ao bom humor. Impossível não sentir a dor
daquela cena, pois dá para ver a agonia do personagem. A expressão
no olhar transmite um certo desespero contido. E o decorrer do filme
é só ladeira abaixo.
Arthur
Fleck mora com sua mãe no subúrbio de Gotham City. Trabalha numa
firma de palhaços, que direciona seus colaboradores para eventos
diversos. Fleck é palhaço profissional e está tentando carreira de
comediante stand-up. No filme, vemos uma Gotham afundada em
uma crise política, econômica e social. Esse cenário provoca
acontecimentos que atingem em cheio o personagem principal. Ao perder
o emprego e o tratamento gratuito de saúde mental que possuía, ele
mergulha na escuridão que há dentro de si, irrompendo em um evento
que acaba desencadeando uma espécie de "revolução"
dentro e fora de si, ambas com a marca da violência.
Um
detalhe que é muito importante ter em mente ao assistir esse filme é
que não há, em hipótese alguma, como comparar Joaquim Phoenix e
Heath Ledger. Nem tente! Não há como haver comparação! É algo
que não se deve fazer! Os personagens e os contextos são
diferentes. Por consequência, as atuações também o são.
Contextos diferentes, roteiros diferentes e intensidades diferentes.
"Coringa"
é um drama pesadíssimo e muito complexo, que mostra com um realismo
absurdo como é uma pessoa com distúrbio psiquiátrico grave
tentando ter uma vida funcional normal. Não há nada de bobo ou
engraçado na história e nem nos acontecimentos. Há pouquíssimos
momentos que parecem se inclinar para uma cena bem humorada, que logo
se culminam em algo humilhante, trágico e/ou violento. Eu chamo esse
filme de uma espécie de "thriller psiquiátrico e
psicológico". Arrisco-me a dizer que o longa será mais bem
apreciado pela audiência técnica do que pelo expectador normal.
Alguns fãs das HQ da DC podem não gostar desse filme, pelo fato de
não ser 100% fiel. Mas se tratando de psiquiatras, psicólogos,
médicos, assistentes sociais, filósofos, profissionais da área
comportamental e de criminalística em geral, pessoal do teatro, TV e
cinema, e demais especialistas afins, esses, com certeza, acharão o
filme uma obra de arte. Incluo nessa lista, fãs de HQ que possuem
capacidade para entender as contextualizações feitas nessa
adaptação.
Infelizmente,
alguns responsáveis bem "irresponsáveis" estão levando
crianças nas sessões. Se você deseja levar seu filho menor para
ver "Coringa", não faça isso! Não se trata de um filme
de palhaço ou de super-heroi. Se trata de um filme sobre um dos
vilões mais perturbadores das HQ. Não é filme para criança ver.
Tem muito adulto que nem deveria ver esse filme também. E o que mais
me deixou pasmo foi ouvir risadas durante cenas que foram
violentamente brutas.
Como
é um filme sobre a origem de um vilão, com certeza há mortes e
essas possuem uma motivação "moral" do personagem. Há
uma espécie de provocação recebida, onde Fleck é agredido e
humilhado. Futuramente, há punição para isso. É como se o ato de
revidar fosse quase justificável. Em outras palavras, não há morte
de pessoas 100% inocentes, pois no final das contas, elas provocaram
uma reação, mesmo não sabendo disso. Nesse quesito, não há
fidelidade ao Coringa das HQ, porque o original mata as pessoas a
esmo, independentemente de serem ou não inocentes, visando apenas
atingir seus objetivos. Mas como já dito, trata-se de um filme de
origem e alguns fatos foram apresentados com uma onda crescente de
intensidade, o que justifica não haver "de cara" o estado
final da arte, quando nos referimos ao psicopata que o Coringa é.
A
atuação de Joaquim Phoenix não foi boa. Foi monstruosa, magnífica,
irrepreensível, assustadora e muuuuito realista. Não parecia haver
1% de Joaquim Phoenix na tela do cinema. Só se via Arthur Fleck e o
Coringa. Joaquim Phoenix foi tão surpreendente que o sorriso e a
gargalhada expressavam emoções completamente diferentes do olhos.
As linguagens corporal e facial foram impecáveis. Se não for
indicado ao Oscar, será uma injustiça imperdoável. É de longe a
melhor atuação de sua carreira e uma das melhores já vistas no
cinema.
Não
posso deixar de destacar a direção detalhista e ímpar de Todd
Phillips, que conseguiu encaixar o roteiro na tela de modo prodigioso.
Algumas tomadas davam closes em movimentos de mãos do
personagem principal, por exemplo, deixando a cena completamente
diferente do que seria uma tomada de corpo inteiro. A sutileza da
direção foi essencial para captar a "alma do filme. Direção,
roteiro, fotografia e figurinos excepcionais.
Sem
dar spoiler pode-se dizer que a família Wayne está no filme.
Há referências a "Batman: O Cavaleiro das Trevas" e "A
Piada Mortal". E o filme se passa durante a infância de Bruce.
Não posso revelar mais do que isso.
Se
você ainda não assistiu "Coringa", sendo ou não fã do
assunto (HQ), corra logo para assistir, pois esse filme já está
entre os mais bem avaliados na História do cinema. Vale muito a
pena!
Assista ao trailer final legendado, logo abaixo:
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